segunda-feira, 26 de julho de 2010

Strange place

Acordei do que pareceu ser um grande delírio. Estou num lugar iluminado artificialmente, pequeno, mas bem organizado, recheado de coisas que piscam e brilham cuja função não posso nem imaginar. Acho que não há ninguém comigo neste momento, mas com certeza fui trazida, já que não me lembro de ter chegado aqui com meus pés. Espero que seja isso, pelo menos.

O interessante é que não parece ser um lugar pobre. As roupas são de qualidade, as paredes e o teto bem rebocados, o piso bem cuidado. Mas é tão pequeno! Desde quando pessoas moram em caixotes como esse? Vejo a luz prateada da luz por baixo das cortinas e resolvo ver onde estou. Abro a janela e olho à minha volta... Por Caim, é alto isto. Então estou num daqueles edifícios cheios de janelas que já tinha me assustado. Ainda assustada, volto para o local onde acordei, abraço as pernas, e torço para que seja alguém amigo aquele que me guarda aqui.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Encontros

Saimos de casa amparados pela noite.
Deo continuava falando da voz que o chamava de irmão e parecia delirar. Fomos até o bar onde nos conhecemos.Não que fizesse tanto tempo assim, mas para mim, parecia uma eternidade.
Assim que chegamos Deo viu a mulher em cima da árvore. Algo de velho e poderoso exalava dela. E me senti atraída pelo poder que ela exalava e me sentia ameaçada por sua presença. Ele foi imediatamente ao seu encontro e tudo pareceu estranho dali para frente.

De começo eu me mantive distante, não querendo me envolver com aquele encontro. Mas quando vi que Deo balbuciava e olhava ao redor, sabia que estava procurando a mim. Parecia estar com muito medo, eu precisava ajudá-lo. A mulher não parecia estar melhor. Falava com a lua, em várias línguas diferentes. France, inglês.

Não poderia deixar os dois assim, em transe, em surto.
Tudo que eu conhecia como lar era a casa do Deo, e achei que o melhor era levar os dois para casa. Será que foi uma boa idéia?
Mas se as coisas são como parecem, eles tem uma ligação. E muito forte.
Cada vez mais me sinto curiosa, quero saber, qual é essa ligação?

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Meu primeiro medo

Ela estava ali, em cima da árvore. Parecia conversar sozinha, parecia assustada... seu olhar lembrava o meu. Senti medo, pânico, ouvi vozes - talvez fosse apenas uma - mas estava tudo muito estranho pra mim. Quem era aquela figura fantasmagórica? O que na verdade ela queria de mim?

Nos parecíamos tanto e ao mesmo tempo tínhamos nada a ver.


Ela me olhava, olhava pra lua, recitava versos... O que eu estava fazendo ali, quem era ela, como conseguiu me encontrar, como falou comigo?

Carol, onde está a Carol?

Alívio, se encontra me protegendo, como sempre o fez desde que a conheci. Ela parece ter receio dessa mulher, em quem devo confiar?, pensamentos confusos, não consigo raciocinar, não gosto do que sinto agora, vontade de gritar, de chorar, de saltar e pegar ela pelo pescoço pra me explicar tudo o que está acontecendo, somos irmãos? somos irmãos? COMO ISSO PODE SER POSSÍVEL?!!!!.

Me pego aos berros, outros olham(ou não, um poder vampírico me esconde). O que é isso tudo?

Tenho medo, quero fugir, mas algo me prende... sangue. Não sangue pra saciar a sede, mas sim uma ligação, elo sanguíneo, corpos separados em mentes conjuntas, não entendo, preciso entender, Carol, me ajude....



...não achei que pudesse sentir medo nessa nova vida...

domingo, 6 de junho de 2010

Dúvidas e Certezas

Enquanto caminho, apressado, tento entender porque ela parece fazer sentido, a Carol tem sido uma luz nessa vida de escuridão, pela primeira vez não dou ouvidos ao que ela me diz.

Victoria, quem é essa mulher? Como consegue se conectar comigo desse jeito?, escuto claramente sua voz. Lembro do frio na espinha que senti em minha primeira noite, não pelo fato de ter descoberto como saciar a sede que sentia, mas sim por ter visto aquele vulto, aquela mulher com estilo do século passado, pálida como a noite, cheia de roupas antigas e com uma voz que insistia em me perseguir durante os meus sonhos... ou não sonhos.

Sou Victoria! Somos irmãos.

Irmãos? Como ela pode ser irmã de alguém que nunca teve esse tipo de conforto? Sempre vivi sozinho com meu pai, sozinho até demais, quase não via o coroa em casa, sempre estávamos em horários diferentes, isso no final das contas parecia ser bom para ambos, sempre achei que fazíamos isso de propósito...

Somos irmãos! Essa é a frase que agora eu tento decifrar, pois o passado esta ficando cada vez mais distante, a cada dia que passa se torna mais e mais um pretérito imperfeito. Meu futuro hoje é o presente.

A Carol esta mais quieta que de costume...

Não sei dizer se isso é bom ou ruim, mas dessa vez não pretendo perguntar, na verdade nem sei o que perguntar, apenas penso em chegar logo.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Momentary Lapse of Reason

Estava perdida em devaneios quando eles chegaram. Assustados e irrequietos, ele à frente, ela, cautelosa, um pouco mais atrás, buscavam a minha presença ali.

Eu os via de cima, empoleirada e distante, mas senti aqueles dois pares de olhos jovens me queimando. Lembro pouco do que presenciei. Tinha meu discurso preparado, minutos antes, o recitei milhares de vezes naqueles momentos de espera. Mas eles chegaram tarde demais.

O que fazem essas duas criaturas da noite aqui? Você as chamou? Com que propósito? Elas nada podem fazer por você, e você nada pode fazer por elas. Essa noite clara demais é bem propícia para encontrarmos aquele que te faz estremecer. Quem é ele mesmo? Ah sim... os "Olhos Dourados". ha ha ha. Quero ver a lua salvá-la desta feita. Ele está aqui, eu sinto, você sente, você sabe. Por que eles continuam aqui?

Nos lapsos de sanidade, me vi rindo enlouquecida, rasgando impropérios à lua e àquele dos olhos dourados, ouvi alguns burburinhos vindos do rapaz - meu irmão... meu irmão? O brilho de reconhecimento em seus olhos, sua voz repetindo ao longe "Olhos, olhos, vermelhos, dourados, dourados!!", cada vez mais alto, cada vez mais o pânico assomando à sua face.

Ela me acha louca, a coitada. Se esforça para não ver o que está bem à sua frente. Corremos perigo. Corremos MUITO perigo, e ela insiste em conversar com esse jovem imberbe, recém nascido - ó ironia - nesse mundo de caos e trevas que vivemos há tempos. Finjo que não o ouço. Ele não me é importante. È! é importante! Ele sofre minha sina! Cale-se! Ele não é importante. Mas é dos nossos, e talvez possa me ser útil.

Aos poucos recobro a consciência... Ele estava no meio de uma sentença..

_ ...ele é?

Não posso dizer se a pergunta é quem ele é, ou como saberemos o que ele é, ou de onde ele é. As possibilidades são infinitas, e não tenho tempo. O brilho de reconhecimento e pânico em, seu olhar ainda era reconhecível, e me vi nos olhos da signorina. Um lampejo de pena passa por aquelas íris esverdeadas, e somem.

Mal vejo a lua com essas lanternas acesas o tempo todo. Cadê minha querida pea soup que tanto me acalentou em Londres? Enquanto suporto os choramingos dessa que divide o espelho comigo, procuro alimento, vitae, sangue, o que quer que essas pessoas singulares tomem esses dias. Sinto o tempo todo o equivalente ao frio na espinha humano e algo me chama para longe. Acho que tenho que ir...

Incapaz de responder qualquer coisa, exaurida pelo esforço de me manter sã, me vejo fitando a lua, semi-inerte. Os pequenos ainda falam comigo, mas suas vozes estão distantes, apagadas. Ouço minha voz responder algo, que soou como um aquiescimento, mas não tenho certeza. Sinto meu corpo carregado por dois pares de braços, não posso resistir

Eu durmo.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Sozinhos...?!

Deo acordou inquieto, ele me disse que sentia uma voz o chamando. Disse que não se sentia sozinho e que tinha uma irmã de sangue e que precisávamos voltar no lugar onde nos conhecemos.

Em um primeiro momento eu tinha ficado muito feliz de encontrar Deo e não ficar mais sozinha, mas agora, será que vamos encontrar mais algum de nós?

Como será essa pessoa?

Eu sinto uma pontada de medo, mas vou com ele. Sinto uma necessidade de protegê-lo e sei que ele seria facilmente enganado por outro vampiro mais experiente.

Mentira.

Eu estou com ciúmes.

Eu nunca tive um “irmão”. Não sei o que é isso e como pode ser isso entre os amaldiçoados como nós.

E chegando lá o meu sentimento apenas piorou muito. Era uma mulher. Linda! Se eles tem um laço maior que o meu com ele, vou logo ficar sozinha novamente. Estou com medo.

Não me aproximo logo de primeiro momento, quero que eles conversem. Estou me sentindo acuada.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Hiato...

Às vezes sinto que dormi por dias e após acordar parece que estou em outro mundo. Vivo no escuro, entre as luzes dos carros e dos postes que mal funcionam neste cidade, e minha luz no fim do túnel tem sido uma garota chamada Carol, uma vampira mais experiente... quer dizer, acho que qualquer outro, caso exista, deve ser mais experiente do que eu.

Em certos momentos custo a acreditar que isto aconteceu, porém a sede me mostra que não vivo em um sonho. Não sei se é bom ou ruim, mas estou começando a gostar de saciá-la, meu corpo fica mais forte, me sinto melhor, meus sentidos ficam mais aguçados.... incrível. A maneira como vejo, escuto e cheiro o mundo mudou, sinto aromas antes indetectáveis pelas narinas humanas, aromas que agora só interessam a mim e a minha nova amiga, e se houver mais alguém... PORRA!!! Claro que sim, claro que existe mais alguém!!!

Somos irmãos! Lembro dessa frase naquele primeiro dia, uma imagem, uma mulher antiga, roupas antigas, não entendo, loucura, argh!! Um embrulho no estomago, imagens distorcidas, sons, musicas, bandas, arvores..., não, não são arvores, é apenas uma ARVORE e eu sei aonde ela fica.

Victoria, lembro desse nome, preciso acordar a Carol, preciso de ajuda, preciso ajudar, a mulher antiga aparece em minha mente, uma mulher nova, roupas antigas...

Carol!!, precisamos sair.

sexta-feira, 5 de março de 2010

The Fragility of Death

Ao contrário do que muitos pensam, o tempo não passa mais rápido para aqueles como eu...E só porque não podemos ver a luz do dia, não quer dizer que as noites passem mais rápido.
Sem a fragilidade da morte, viver é uma experiência sem sentido, e talvez por isso aqueles meus últimos dias de consciência venham à memória com um misto de terror e adrenalina. Antes de morrer, me sentia viva. Ah sim, a ideia de morrer me atrai. Ou me atraiu naqueles segundos finais...Antes da minha memória falhar mais uma vez. Sabe, isso é realmente frustrante. Não lembrar.

Eu não devia ter lapsos de memória, não mesmo... Não sei se te contaram, mas nossa memória é a primeira coisa a se tornar perfeita depois da morte. Logo antes da visão e dos demais sentidos “humanos” se aguçarem. Antes mesmo de nossos sentidos de mortos... O distanciamento que a morte nos traz deve ser a razão de podermos memorizar detalhes...

E ainda assim, a minha memória falha. São ANOS de páginas arrancadas, sem um traço... como névoa no fim da manhã. Gone. Isso me irrita profundamente.

Se os meus não esquecem, por que não me lembro do que aconteceu comigo?

Os meus não sentem..

Há! Essa é nova.


Sim, a fome é o sentido mais aguçado, pois a vitae (mesmo plúmbea como a desse lugar) nos permite parecer humanos e fingir que respiramos, ou que nosso coração bate... Mas como tudo o mais, não deixamos de sentir... não se engane. Só mudamos a maneira.

Ah! maldita memória inútil! Como posso me lembrar tão claramente desses olhos, mas não seu rosto? Ou do que senti medo for that matter. Como posso lembrar cada livro lido e ter esquecido a voz que acompanha aquele olhar, ou por que mesmo ele significa algo para mim? Ou por que me assustam tanto?

Seria isso efeito do sangue viciado que me fascina? Como, se lembro cada artéria suculenta, cada gota de vitae sorvido, cada alucinação vivida?

_ Seu monstro! Quem disse que vives?


Oh não! Não de novo!...Vou perder a razão...

_ Há! Ela nunca foi sua...

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Num Piscar de Olhos

Depois de todos esses anos eu ainda me surpreendo como o tempo é relativo. Sozinha eu sentia o tempo se arrastar a cada dia e hoje uma semana não passou de um piscar de olhos.
Todos os dias vamos para a casa dele e todas as noites saímos para aprender, cada dia mais ele se desenvolve, se torna mais forte e mais confiante. Sei que não podemos fazer isso por muito mais tempo precisamos de um lugar mais seguro. Mas por enquanto, isso é o mais próximo ao paraíso que eu já experimentei.

Levei Deo para caçar pela primeira vez ele se saiu bem. Dessa vez não matamos ninguém, afinal, eu odiaria que chamássemos atenção desnecessária. Mas nada pode superar a luz no seu olhar ao aprender mais sobre si mesmo, sobre suas habilidades.
Eu vivo uma semi vida, mas é diferente de se sentir vazia por dentro, morta. Hoje não me sinto mais assim, como se ele pudesse ver dentro dos meus olhos e encontrar algum alento aqui, em mim.

Nem eu sei o que ele consegue ver, tinha me acostumado em não sentir nada, mas agora? Não sei como era possível que eu tivesse me mesclado tanto com a escuridão. Tenho medo de não conseguir mais me separar dela. Queria ser alguém melhor para o Deo, para mim. Hoje penso em futuro e não mais viver cada dia apenas.

Com ele eu sou capaz de qualquer coisa, de superar qualquer adversidade, e no entanto tenho medo. Não da noite, nem tanto da escuridão em mim, mas hoje, o que eu tenho mais medo é de perdê-lo.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

In a Strange Land

Engraçado ninguém ter me encontrado naquele confessionário. Ouso dizer que esta terra e este tempo não são de devotos. Ainda bem. Após um dia um tanto quanto desconfortável, saio deste templo, ainda confusa com as lembranças da noite passada. Quem eram aqueles dois? Por que chamei o rapaz (era Deo o nome dele?) de irmão? Por que o momento do primeiro beijo dele foi tão importante para mim?

Com milhares de questionamentos, resolvo procurar um novo abrigo, este confessionário não foi a melhor das minhas ideias. Olho para os dois lados da rua, olho para mim. Ridícula! As pessoas a minha volta se vestem de maneira tão diferente.. Será que invadi uma loja de fantasias? Ok. Mission number one: Find clothes. Pelo menos uns panos, poderia passar alguns dias fazendo novos trapos para vestir, esses humanos parecem muito à l'aise e não será difícil fazer algo que pareça com o que essas meninas vestem. Vai levar mais tempo para me acostumar a vesti-las. Não, melhor não. Farei estilo. Mesmo assim... o que eu queria mesmo? Ah sim, roupas.

Enquanto divago sobre tecidos e agulhas, acabo cruzando uma avenida movimentada. Por que vim para o claro? Claro demais, rápido demais, cores demais. Começo a sentir saudades de Londres. Cartazes como o que me deparei quando abri os olhos neste lugar (e neste século) estão por todos os lados, com mensagens confusas e repletas de pontos de exclamação e produtos dos quais nunca ouvi falar. Muitas pessoas caminham carregando um tipo de aparelho pequeno no ouvido, falando sozinhas. Muitas portas de vidro, muitas linhas retas misturadas à arquitetura mais antiga, um tanto mais familiar para meus padrões. As pessoas esbarram em mim, nem olham para trás. São tantas...

Busco desesperadamente um beco, algo que me esconda desses bárbaros. Sento-me numa espécie de caixa, tentando incorporar as novidades dessa época. Não que tenha pensado que as coisas parariam de evoluir, mas não intentava passar tanto tempo desacordada. À minha frente cruza um bêbado. Ainda tenho o gosto plúmbeo de minha última vítima, mas infelizmente ele estava sóbrio. O sangue deste rapazote imberbe emana opiáceos e álcool, não vou resistir. Um pouco de alucinação me fará bem...

_ Minhas mui sinceras desculpas – digo, olhando em seus inocentes olhos azuis – você sabe me dizer que dia é hoje?

Ele ri de mim. Alto. Mas responde.
_ Hoje é dia quatro de junho, dona, 2009, quinta-feira. Tá perdida é?

Sua risada desdenhosa ecoa pelas paredes desta rua estreita e sua falta de respeito me irrita. Menos mal, é mais fácil quando não gosto deles. Me aproximo, mimetizando um esgar de desejo e balbucio algumas palavras que o deixam rubro de vergonha. Não levarei muito tempo...



Enquanto saboreio o chumbo e os preparados sintéticos naquele sangue alucinado, o rapaz, ainda tonto, fixa seus olhos vazios no sangue em meus lábios. Num momento, não estou mais lá, e não passo de uma nuvem, o alucinógeno fazendo efeito. Parecem os opiáceos de minha querida Londres, tão suja, tão escura, tão perfeita para aqueles de minha espécie. Aqueles de minha espécie... Por onde andarão aqueles dois?

Enfim, divago, mais uma vez. O que preciso fazer mesmo? Ah! Sim! Roupas! Ah, deixe. Fico com essas por enquanto. Um abrigo agora...



Sinto que não estou no meu juízo normal, mas não há ninguém para notar isto nesta cidade limpa demais, povoada demais... vou cambaleando pelas ruas, as cores brilhando muito, os vapores do mar aumentando esta sensação de delírio.

Sem motivo aparente, sinto olhos dourados e faiscantes a me observar... Um arrepio percorre minha espinha, o terror congela meus passos. Quase inconscientemente envio um alerta àquele meu semelhante... Fecho os olhos e espero uma mensagem de meu maldito mestre, mas ela não vem. Parece que me enganei...

Ao abrir os olhos, me deparo com o abrigo perfeito. Um prédio coberto por folhas de madeira, com aparência abandonada. O terror me impele a me esconder rápido, num instinto bem próprio do animal que me tornei. Mexo em meu vestido, como se limpá-lo fizesse o pânico se esvair e descongelar meu sangue, ou mesmo conseguisse organizar minhas ideias num fluxo mais ou menos coerente. Sem sucesso. Deito. Preciso recuperar minhas forças, e um pouco de sobriedade.



Passo alguns dias assustada, semi-oculta nesta cidade estranha. Minhas saídas se resumiram a pequenos furtos em armazéns de tecidos e calçados, para que pudesse me adequar a um passeio mais longo. Ainda desconfortável com os modelos usados por esta geração, desenho um novo vestido longo e um costume, ambos num tecido negro e, suponho, discreto.

O vestido, em um estilo full dress de tea parties do início do século XIX. O costume faço em duas peças, com uma camisa simples, sem botões. Uma roupa masculina ainda pode me ser útil. O labor me distrai e aos poucos me vejo na Vila de Santos, aos pés de minha mãe... Afasto o pensamento com um movimento de cabeça.

A imagem desvanece e é substituída por um beijo da morte. Uma menina semi-nua, um rapaz assustado e uma bela e fria mulata. A cena me atinge de chofre, e a frase que proferi retumba incessantemente. “somos irmãos, somos irmãos...” Que será que aquilo significa? Me pareceu natural... Fecho os olhos e chamo novamente aquele sangue familiar. Preciso encontrá-los.



Sem resposta, aguardo mais uma noite e me dirijo àquele estranho simulacro de pub irlandês, subo na árvore da balaustrada, os cabelos soltos e os olhos fixos na lua.. Sinto que vou perder a consciência...e eles devem chegar logo.